Silêncio
No lugar onde estou, onde o meu corpo repousa, há um silêncio!
Não o silêncio absoluto! Há aquele silêncio que te retira do barulho rotineiro, do barulho que te entra tão banalmente que o aceitas como cenário normal.
Este silêncio que te conduz inevitavelmente à escuta de sons que conheces, mas que não tens o hábito de trazer para dentro de ti.
É o silêncio que te permite estar em sintonia com o alheio, mas que também é teu.
O silêncio entre silêncios!
O portal que te revela, ao deslocares essa massa estrutural chamada corpo, que há tanto no silêncio para ouvir, escutar.
Que esse corpo, esse veículo, essa nave não está só.
Ele sustenta-te! Abriga-te e pede-te que o lembres, a cada momento, quem tu és!
Estar neste silêncio obriga a inevitavelmente, escutar, ouvir, sentir.
Podes fechar os olhos, podes imaginar cenários pacíficos, idílicos e procurar paz.
Podes tapar os ouvidos e ignorar todos os outros sentidos e achar que é possível, que vais conseguir silenciar.
E o que é isso, silenciar?
É o que tu e eu quisermos?
É fecharmo-nos à paisagem que nos entra adentro sem permissão?
É focares-te fervorosamente em algo específico para que tudo o resto deixe de "existir"?
...............
Neste silêncio, entre papel e manta, entre sol e terra, entre relva e pedra, entre água e eu, escutei o choro compulsivo de uma criança a uma distância, num aglomerado de casas. E não pude deixar de ouvir... e de permitir que isso chamasse a minha atenção. Foram longos minutos...
E tomei consciência de tal potenciador transporte para os "para quês" disto. Deixei passar.
Fui encontrando o meu lugar, com este corpo e comigo que nele habita. E vieram outros silêncios e outros sons.
Natureza!
Formigas no seu ritmo, a descobrir esta nova estrutura, talvez em busca dos seus silêncios.
E agora... uma criança, com os seus pais, felizes, em busca de uma sombra. Tateando, com os pés, presos nas formas antinaturais, todo este chão verde relvado, fulminado pela arte das toupeiras, lá anda, o Téo, feliz, sorrindo e balbuciando pequenas palavras, fortes conexões com o mundo.
E o sol a pique, neste dia que dizem que é do eclipse solar, que muda a hora na próxima madrugada e que se descobre na estrutura metálica a Tabela Periódica, que a água do riacho corre, não sei para onde, mesmo que destroços de árvores se tenham deitado neste percurso, talvez para o descanso eterno.
Chilreiam a toda a volta estes belos silêncios denunciantes da Primavera e ecoam as batidas dos esféricos nas tabelas, não periódicas, mas por períodos...
E que dizer dos passos, surdamente barulhentos nos percursos pedestres onde rodas de velocípedes sem motor se atrevem a circular?
E os restantes silêncios, compassados pela hora que celebramos no momento, adensam-se.
E mudo!
Mudo de lugar, de posição e estou a absorver todos estes silêncios que, no meio das pausas, me recordam que posso estar noutro país, noutro recanto do mundo, não porque queira ou que pense que deva estar noutro lugar, mas porque estão ali e porque estou aqui e que tudo faz parte deste silêncio, deste momento excepcional que escolho!
E perguntam:
- "O que é silenciar?"
- "Pode ser o que tu quiseres!"
Sílvia Murça
29 Março 2025


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